O dia 21 de Maio de 2009 assinalou o 347º Aniversário do casamento da Infanta Portuguesa, Catarina de Bragança, com Carlos II de Inglaterra. A cerimónia matrimonial decorreu na sala de audiências da King’s House, em Portsmouth, ante membros da Corte Inglesa, e da grande comitiva de fidalguia portuguesa, com que a nubente se fez acompanhar na viagem rumo ao seu novo lar na Inglaterra.
Catarina de Bragança tem sido injustamente negligenciada nos anais da História Britânica e Portuguesa. De todas a Rainhas do Reino Unido de Inglaterra, Escócia e Irlanda, ela tem sido a mais votada ao esquecimento, não obstante o facto de que o seu reinado enquanto Rainha-Consorte de Carlos II de Inglaterra ter influenciado profundamente a História da Grã-Bretanha e do povo britânico no seu país e no além-mar. O seu casamento com Carlos II em Maio de 1662, pouco tempo após a restauração do monarca ao trono, reestruturou o tecido político, económico, territorial e cultural da Grã-Bretanha, e deu origem à nova e reformada matriz geopolítica sobre a qual o Império Britânico subsequente se assentaria.
Catarina, Infanta de Portugal, nasceu a 25 de Novembro de 1638, no palácio ducal de Vila Viçosa, sendo a quarta descendente de João, Duque de Bragança e da sua esposa, D. Luísa de Gusmão, da Casa Espanhola de Medina-Sidónia. À data do seu nascimento, Portugal estava a atravessar um período atribulado de grande volatilidade sociopolítica, adveniente do facto de o povo português nunca ter aceitado de bom grado os seus governantes espanhóis, que tinham herdado a Coroa Portuguesa na sequência da crise de sucessão que seguiu a derrota e o desaparecimento do jovem D. Sebastião na Batalha de Alcácer Quibir, norte de África, em 1578.
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Retrato da jovem Catarina de Bragança recém-chegada à Inglaterra (Pintura da autoria de Dirk Stoop) |
Em 1640, após sessenta anos de domínio espanhol, conhecidos por Era Filipina, o seu pai, descendente directo de D. Manuel I, foi popularmente aclamado Rei de Portugal. A ascendência de D. João IV ao trono português assinalou o início de um período na História Portuguesa conhecido por Restauração e da implantação de uma nova dinastia, a Casa de Bragança. Esta mudança nos destinos da sua família significou que Catarina, então com apenas dois anos de idade, foi elevada à posição de Infanta de Portugal. Com a morte do seu pai, em 1656, um seu irmão mais novo sucedeu ao trono como Afonso VI. Visto o novo rei ser mental e fisicamente incompetente, a viúva de João IV, Luísa de Gusmão, tornou-se Regente e efectivamente governou o país em nome do seu filho.
Estadista sagaz e astuta, Dona Luísa tinha consciência das vantagens que um casamento entre a sua filha Catarina e o então exilado herdeiro do trono inglês, Carlos Stuart, traria à frágil, recém-restituída monarquia Portuguesa, que se encontrava sob a constante ameaça de invasão espanhola. Em 1660, Carlos Stuart foi restaurado ao trono Inglês e, pouco tempo depois, começou a sua busca de uma esposa idónea entre as Casas Reais da Europa. A Commonwealth e o Protectorado Cromwellianos esvaíram os cofres do Estado e o país enfrentava a ruína. Assim, interessava a Carlos II encontrar uma esposa que não só proporcionasse uma aliança política estrategicamente favorável, mas que também contribuísse com fundos para repor o seu Tesouro, então em risco.
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Carlos II, esposo de Catarina de Bragança e Rei da Inglaterra, Escócia e Irlanda
(Pintura da autoria de Sir Peter Lely) |
Consciente de que Portugal não poderia estancar a ameaça espanhola por si mesmo, Dona Luísa procurou fortalecer a posição militar e política do país através de uma aliança com um outro país inimigo de Espanha, a Inglaterra, oferecendo a mão da sua filha em casamento ao recém-coroado monarca inglês. Para este fim, ofereceu o maior dote conhecido até então na História da Europa, nomeadamente 500 000 libras esterlinas e os territórios portugueses de Tânger, no norte de África, e a ilha de Bombaim, na Índia. Apesar do seu compromisso de reinar como monarca Protestante, Carlos II de Inglaterra concordou desposar a católica Infanta de Portugal, com o enlace nupcial a dar-se a 21 de Maio de 1662, na cidade de Portsmouth. (A certidão de casamento, nos Livro de Registos da Igreja de St. Thomas, em Portsmouth, erroneamente afirma a data do matrimónio como sendo 22 de Maio).
Os territórios submetidos à soberania britânica por meio do casamento de Catarina com Carlos II facultaram aos Britânicos praças-fortes no norte de África e no subcontinente indiano. Estes postos avançados viriam a ser extremamente valiosos e cruciais ao expansionismo político-económico britânico, no alicerçar do Raj na Índia, e na projecção da influência britânica no Mundo Árabe. Mais, favoreceram o comércio britânico, com o estabelecimento de mercadores de vinho e açúcar na Madeira, um arquipélago situado perto da costa do noroeste Africano, cujos direitos e receitas tributárias Catarina herdara com a morte do seu pai.
Acrescente-se a este facto os privilégios comerciais especiais que os termos do Acordo de Casamento concederam à Grã-Bretanha no Brasil, os quais seriam basilares para todo o empreendimento militar e económico britânico na América do Sul, ao longo dos séculos seguintes.
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Catarina de Bragança, Rainha da Inglaterra, Escócia e Irlanda
(Pintura da autoria de Sir Peter Lely) |
Catarina de Bragança introduziu novos e duradouros hábitos culinários na Corte Inglesa sobre a qual presidiu no papel de Rainha-Consorte: o chá da tarde, marmelada, tangerinas de Tanger, a porcelana, o uso alargado de especiarias e o garfo. Grande amante de música – paixão que partilhou com o seu pai – Catarina de Bragança foi patrona de muitos compositores britânicos da época, sendo a sua Capela pessoal, no Palácio de St. James e Somerset House, sinónima de excelência musical e das artes.
O seu patrocínio assegurou a introdução de música italiana e portuguesa na Grã-Bretanha durante o período Barroco. À época, Catarina também deixou a sua marca na moda inglesa, ao vestir traje masculino quando se exercitava ou montava, e saias mais curtas que revelavam os seus tornozelos bem torneados.
A rainha desenvolveu gosto pelo tiro ao alvo, tendo sido patrona da “The Archers' Company of the honourable Artillery Company", a quem presenteou com um grande escudo de prata, que hoje integra o espólio da Royal Toxophilite Society.
Baseando-se em comentários muitas das vezes pouco lisonjeadores e humilhantes a respeito dos seus atributos físicos e intelectuais, encontrados no Diário de Pepys e na correspondência do Conde de Clarendon, Catarina tem sido, com demasiada frequência, erroneamente retratada como uma Rainha insípida e inconsequente, até por alguns autores contemporâneos de renome. A correspondência pessoal do Rei e os seus comentários no seu leito de morte pintam um quadro bem distinto de Catarina de Bragança: o de uma sagaz, virtuosa, leal e amorável esposa, conselheira e confidente, cujo apoio inquebrantável providenciou grande conforto e consolação a um monarca, muito frequentemente sitiado por intrigas da sua Corte e pelas exigências parlamentares da recém-instituída monarquia constitucional. Carlos II de Inglaterra permaneceu resoluto no seu apoio à Rainha que escolhera até à hora da morte, apesar de ter sofrido inúmeras pressões por parte da Corte e do Parlamento para renunciar e divorciar Catarina, devido à sua incapacidade de produzir um herdeiro e a falsas e infundadas alegações, propagadas por Titus Oates e os seus comparsas, que implicaram a Rainha numa conspiração “Papista” de alta traição, objectivando a implantação do Catolicismo como religião predominante na Inglaterra.
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Litografia oitocentista da Certidão de Casamento do Casal Real |
Por forma a promover a integração equilibrada das Comunidades Portuguesas, nos países de acolhimento anglófonos e nas sociedades multiculturais, deve envidar-se todo o esforço no sentido da consciencialização do relacionamento secular existente entre a Grã-Bretanha e Portugal, sublinhando as afinidades, e imbuindo um sentimento de orgulho pela nossa herança comum. Esta assenta-se fundamentalmente em dois momentos históricos: o casamento de Filipa de Lencastre com D. João I de Portugal, em 1387, e o enlace de Catarina de Bragança, Infanta de Portugal, com o Rei Carlos II de Inglaterra, em 1662!
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